Um papa africano, um papa libanês?

Mais importante do que a origem ou nacionalidade, importa que o novo Papa tenha “consciência da universalidade da Igreja e das mudanças demográficas na Igreja Católica”, diz o director da Faculdade de História e Bens Culturais da Igreja, da Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma.

Tessie Osagie, 35 anos, nigeriana a viver em Ferrara há 13, só fica convencida que o Papa Bento XVI renunciou quando vir o próximo ser escolhido pelos cardeais na Capela Sistina, no Vaticano.

Veio a Roma tratar do visto na embaixada, e passou por São Pedro num dia chuvoso, traz um gorro, e luvas. O companheiro de viagem fica a ouvir, sem comentar. “Não acredito que tenha renunciado porque estava doente. O Papa João Paulo II esteve até morrer…”, diz com ar desconfiado sobre o que foi ouvindo nas notícias. “Porquê?”, interroga como quem acha que a resposta não é a oficial. “Ele era o líder da Igreja….” Tessie Osagie é cristã, da Igreja Pentecostal, tem algumas críticas ao catolicismo, e espera, por isso, que a Igreja “abra as suas portas a toda a gente”.

É na Europa que se elege o novo Papa e é da Europa que têm vindo os papas. Mas os cristãos do resto do mundo superam os europeus: segundo o Pew Research, dos dois mil milhões de cristãos, metade são católicos, e os números são mais expressivos na Ásia, na América Latina, e em África (dos europeus, só a Alemanha e a Rússia estão no top 10 com mais cristãos). Por isso alguns têm levantado a questão: será que o novo Papa deveria ser escolhido entre os cardeais fora da Europa?

Para o padre jesuíta Nuno Gonçalves, director da Faculdade de História e Bens Culturais da Igreja, da Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, “o importante é o novo Papa ter uma grande consciência da universalidade da Igreja e das mudanças demográficas na Igreja Católica, da expressão do cristianismo na África, Ásia e grande vitalidade da América Latina”. E acrescenta: “Ao mesmo tempo, deve ser uma pessoa que saiba transmitir a mensagem do evangelho aos países secularizados do Ocidente.”

O rosto de Tessie Osagie abre-se quando lhe perguntamos o que acha da hipótese de o próximo Papa ser africano. Tem-se falado nos media que na lista dos favoritos estão os cardeais Francis Arinze, da Nigéria, Peter Appiah Turkson, do Gana, Marc Ouellet do Canadá, ou o arcebispo Angelo Scola (Bento XVI apontou 67 dos 118 cardeais que vão escolher o próximo Papa, 37 deles são da Europa). “Se acordasse e visse um Papa negro ficaria tão feliz!”, diz.

“Um Papa negro faria o que os outros fariam – lutar pela paz, pela família, para que as igrejas sejam acolhedoras. Mas mostraria que estamos a mudar. Há muitas discriminações e mostraria que éramos capazes de nos amar mais uns aos outros. Se um Papa negro fosse eleito, espero que fosse recebido como o Obama na América, apenas como o presidente, independentemente da cor.”

Seminarista da Igreja Maronita, religião católica oriental que reconhece a autoridade do Papa mas tem rituais próprios, o libanês Joe Eiol, 27 anos, admira a atitude de Bento XVI, porque normalmente os líderes em posições tão altas “agarram-se ao poder”. Por isso, como “cristão, ver um líder máximo renunciar ao poder mais alto faz-nos sentir orgulhosos”.

Ele não levanta a questão racial, mas a religiosa para falar da importância de ter um Papa da sua região. Ao lado da irmã e de uma amiga, ambas de visita turística – “trouxemos a renúncia do Papa”, brincam – Joe Eid não quer especificar se considera importante que o próximo Papa seja de fora da Europa. Acredita que “os cardeais e o Espírito Santo irão escolher a melhor pessoa para este momento histórico”. “Mas vamos rezar” pela decisão certa, diz Delicia Eid.

Mas Joel Eid ficaria contente se fosse eleito um Papa libanês, sim. “Temos interacção com outras religiões. Temos fé com elas. Sofremos por causa desta interacção. Se um Papa libanês fosse eleito, a Igreja teria outra perspectiva sobre o diálogo entre o catolicismo e as outras religiões.” Porquê? “Não é fácil lidar com este tema e viver num ambiente islâmico. Se houvesse um Papa libanês o mundo iria abrir-se a este diálogo.”

|Público|13/fev/2013


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