Os papas e o calcanhar de Aquiles

©Marino Azevedo

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Disse-se que Bento XVI calçava Prada, o que a muitos escandalizou. Não faltou quem comparasse o sapato pontifício aos pés descalços dos indigentes, para retirar conclusões que eram mesmo, valha a expressão, de se lhes dar com os pés.

O Papa Francisco, fazendo jus ao nome, apareceu em público com sapatos pretos, por sinal já velhos e cambados. Também agora houve clamores de indignação ante a aparente pobretice de um Papa remendão, que parece não compreender as exigências da sua nova condição. Vozes de burro que, como se costuma dizer, não chegam ao céu.

Esta prosaica questão tem antecedentes clássicos, porque já Aquiles tinha problemas com o calcanhar. Não consta se o usava ao léu, revestido de púrpura, ou dentro de velhas botas de guerreiro. Mas, para sua desgraça, foi a debilidade do seu calcanhar que passou à história, e não a sua lendária bravura de herói homérico.

Tem também precedentes bíblicos, porque Cristo exigiu que os seus discípulos não se inquietassem com o vestido, porque há mais beleza num lírio do campo do que em toda a glória de Salomão (Mt 6, 28-29). E, aos apóstolos, o Mestre recomendou que, ao deixarem uma povoação que os não tivesse ouvido, contra ela sacudissem o pó dos seus pés (Lc 9, 5).

©MAX ROSSI/REUTERS

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Jesus, que certamente trajava modestamente, contudo usava uma túnica que não tinha costura, toda tecida de alto a baixo, e que até foi sorteada pelos soldados que O crucificaram (Jo 19, 23). Não seria Armani, mas também não era nenhum farrapo.

Não me escandalizam, portanto, as boas vestes, nem os bons paramentos e alfaias litúrgicas, que Francisco de Assis queria para o culto divino e que, por muito ricos que sejam, são sempre pobres para o serviço de Deus. Também não me indigna a pobreza do hábito mendicante. Mas incomoda-me a hipocrisia dos que, em vez de se fixarem no essencial, se perdem em considerações mesquinhas. Porque, qualquer que seja a sandália do pescador, são sempre “formosos os pés dos que anunciam o Evangelho!” (Rm 10, 15).


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